quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Banda d'Além

Homenagear a cidade de Niterói, no mês de seu aniversário, foi a proposta inicial do SESC de Niterói para esta exposição. A homenagem se retorce e converte em experimentação, vivência e degustação dessa cidade através do olhar de oito artistas contemporâneos. Essas ações – que bem poderiam ser ações cotidianas –, quando estimuladas por uma proposta visual, podem vir a revelar lugares ou situações que, por já fazerem parte de nosso ambiente rotineiro, muitas vezes passam despercebidos mesmo por um olhar atento ou uma percepção mais apurada.

O argumento curatorial foi pensar a cidade de Niterói em sua condição atual de espaço urbano e cultural, a fim de perceber como esse contexto reverbera diretamente nas práticas sociais, seja de alguém que se relaciona cotidianamente com a cidade ou de um artista que acaba de conhecê-la.
Aos artistas foi sugerido refletir acerca de três trilhas conceituais e investigativas norteadoras da mostra, que apesar de distintas podem e devem saudavelmente mesclar-se entre si. Abordagens questionadoras da relação entre individuo, espaço e lugar.

A proposta foi incitar uma nova maneira de olhar a paisagem ou o que compreendemos como paisagem, e proporcionar encontros com lugares e detalhes da rede urbanística de uma cidade sedutora por seus recantos e encantos naturais, além de apresentar exemplos da arquitetura colonial e moderna. Como em uma expedição, o desafio foi explorar esse município conhecido como “cidade-sorriso” e que, conta a História, foi desejado e fundado pelo cacique tupi Araribóia; serviu de ponto estratégico de defesa da Baía de Guanabara; abrigou a capital do antigo estado do Rio de Janeiro; protagonizou uma das maiores construções rumo à rápida modernização nacional (a Ponte Rio-Niterói) e hoje vive crescente conscientização ecológica que leva à preservação de suas belas praias e reservas de Mata Atlântica e a projetos pioneiros ligados à coleta seletiva de lixo.

Observando por outro viés, esses privilégios naturais são, em sua maioria, ameaçados por um deficiente planejamento urbanístico, que acarreta ocupações irregulares e o processo de favelização das encostas da cidade. Conseqüência de sua ótima localização geográfica – vizinha à cidade do Rio de Janeiro – e de todo o marketing político feito a partir do estandarte de “cidade qualidade de vida”, Niterói vive um crescimento populacional carente de infra-estrutura básica e forte especulação imobiliária. A possibilidade de apontar o perfil contraditório da cidade e exercer criticamente a posição de ser artista em um contexto social e cultural como esse também foram traduzidos poeticamente em algumas das obras reunidas nesta exposição.

Por fim, ajusta-se o foco nas práticas relacionais da urbe, no indivíduo e sua situação presente, lançando um olhar aguçado para essa sociedade com cerca de 474 mil habitantes, que se caracteriza, todavia, por conexões de proximidade próprias de círculos familiares e de amizade. A idéia aqui foi vivenciar contextos específicos, percebendo sua dinâmica e como esse espaço social é estruturado por conflitos espontâneos.

Esta mostra, que conta com os artistas Analu Cunha, Cristina Ribas, Daniel Murgel, Gustavo Duarte, Hugo Richard, Pontogor, Tomas Reyes e Vicente de Mello, é o inicio de uma parceria com o SESC de Niterói que viabilizará em 2009 uma série de exposições, palestras e interferências na cidade. O projeto visa incentivar o uso do espaço urbano como laboratório artístico e de idéias, instigando um pensamento crítico, político e ativo sobre a cidade, seus atores e conjunções estruturalmente instáveis que atraem e repelem simultaneamente e na mesma intensidade.

Beatriz Lemos - Curadora

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